sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Conexão Hypchic #7 | Yolanda Dominguez


Imagine um grupo de mulheres imitando poses surreais de editorias de fotografia de moda espalhadas pelas ruas de Madri. 

2. Seis pratos de omeletes misturados a brinquedos femininos simbolizando os papéis para os quais as mulheres são educadas desde a infância.

3. Uma mulher em uma rua luxuosa chora por uma esmola para comprar uma bolsa Chanel.

4. Uma mulher em uma fila de museu, uma caixa de supermercado e uma atendente pública repetem o mesmo comportamento, abandonam seus postos de trabalhos e deixam uma placa informando "Volto em cinco minutos. Fui colocar silicone e já volto".

5. Modelos cobertas por escombros distribuídas em ruas movimentadas de Madri atraem a curiosidade dos pedestres.

6. Esses são alguns dos trabalho de Yolanda Dominguez, artista visual espanhola em que ela demonstra a coerência da sintaxe de suas performances ou simplesmente arte de rua: a interrogação inicial que ele suscita, a economia de equipamentos para realizá-los, a força da ironia e poder da mensagem.

Em seus trabalhos, Yolanda tem a precisão de combinar criativamente os dispositivos e meios a serviço da mensagem, invariavelmente cheia de humor e provocação, questionando os papéis sociais impostos às mulheres na sociedade. Porém, ela não se restringe a essa causa embora seja seu principal tema. Ela já se envolveu com a causa ambiental ao colaborar com o Greenpeace orquestrando um happenning em frente a uma Loja da Levi's em que 10 garçons distribuem garrafas de água com rótulos que exibiram o slogan "Não importa que você não tenha água, enquanto houver jeans.

Mas seu principal trabalho continua sendo a performance "Poses"de 2011 em que mulheres anônimas no centro de Madrid e em locais privados reproduzem as poses surreais das modelos em editoriais de moda e campanhas publicitárias. Depois de mais de um milhão de visualizações no Youtube, uma releitura em que satiriza a nova campanha do Chanel nº5 (2013), ela lançou recentemente o seu novo projeto, o site "Strike the pose" na qual os indivíduos são incentivados a participar enviando imagens produzidas pela indústria de moda consideradas degradantes e satirizá-las. Sobre esse último projeto, carreira e outros assuntos ela conversou comigo para a coluna Conexão Hypchic.

Você cresceu na praia cidade ou campo? Que legado esses lugares deixaram para sua visão de mundo e personalidade?

Eu nasci e sempre vivi em Madrid, uma cidade da Espanha. Por viver aqui minha identidade foi completamente moldada como cidadã, trabalhadora, consumidora e uma mulher com determinado papéis. Eu apenas posso trabalhar com sinceridade sobre minha essência. Meu trabalho tem uma série de auto-críticas e reflexões pessoais que eu tento compartilhar com outras pessoas.



Você pode me contar sobre o tempo que você era criança, seu jogos e brincadeiras? Há algum resquício desse período que influenciou o seu trabalho?
Para ser honesta eu sempre costumava realizar brincadeiras de meninas e de meninos, como He-Man, Barbie ou carros. Era engraçado como eu podia gastar horas brincando com os brinquedos do meu irmão, mas ele nunca podia brincar com os meus. Educação através dos jogos têm uma enorme influência na construção da identidade de gênero.

Quando você percebeu que a pintura, sua formação de origem, não era suficiente para falar sobre o feminismo?
Eu comecei pintando e via como as pessoas geralmente compram telas apenas para decorar suas salas de estar. Eu estava mais interessada no poder de comunicação da arte. Foi nesse período que comecei a trabalhar com pessoas, criando performances em que elas podiam se envolver e engajar-se com a arte feita por elas mesmas, desempenhando um papel importante.


Qual a sua rotina e o seu processo criativo ?
Eu tento ficar conectada com a realidade lendo um monte de notícias e estar consciente do que acontece no mundo. Algumas vezes a ideia vem quando eu vejo uma história que me inspira, outra vezes eu escolho um tema e tento ver qual a melhor forma de dar visibilidade a ele. Eu acho que devemos trabalhar nessas coisas que fazem você se levantar do sofá, questões que realmente afetam você e suas paixões.

Eu li em uma entrevista sobre você. Nela você diz que recebe muitas críticas e elogios sobre o seu trabalho. Você acompanha as críticas sobre o seu trabalho? Qual a principal crítica?
A crítica é parte do processo, qualquer um que compartilhe seu trabalho está suscecetível a isso. É impossível agradar a todos, nem tenho essa pretensão. Eu não quero fazer uma arte para deleite, eu faço para provocar (e quando você provoca muitas pessoas pode irritá-las). Dependendo de quem faz a crítica, algumas vezes, é um triunfo.

Parece que você se diverte enquanto organiza e vê a reações das pessoas nas suas performances. É isso mesmo?
A reação das pessoas sempre me surpreende e isso é o que eu mais gosto no meu trabalho, eu nunca sei o que vai acontecer e me torno mais um espectador daqueles que estão envolvidos. Eu gosto de ser uma criadora  e me converter em um espectador. Eu acho que não é interessante o que eu tenho a dizer para o mundo, mas oferecer propostas ou plataformas através das quais os outros podem se expressar.


Em alguma performance a situação já saiu fora do seu controle? O que aconteceu?
É impossível controlar tudo, minhas performances têm um monte de improvisações e é necessário tomar decisões no momento que as coisas acontecem. Essa é uma das razões pelas quais eu não participo diretamente, fico no backstage dirigindo a cena. Algumas vezes a polícia aparece ou intervém para dar orientações para as atrizes ou explicar se pessoas estão muito preocupados com a situação.

Qual o seu trabalho favorito? Por quê?
Eu acho que “Poses” é o projeto que teve mais impacto e abriu meu olhos para o potecial da participação coletiva. Esse é um projeto realizado em 2011 e ainda hoje está circulando na internet, em programas de educação, inpirando versões feitas por pessoas anônimas, mesmo nos meios de comunicação que os criticam. Mas eu tenho que admitir que o trabalho “Registry” superou todas as minhas expectativas com forte partipação das mulheres na Espanha e até mesmo de outros países.

Conte-me tudo sobre o seu último trabalho “The strike pose”. Qual o seu propósito? Quais os resultados alcançados até agora? 
Em todos estes anos eu tenho recebido versões caseiras de mulheres que encontram uma pose rídicula produzida pela indústria da moda e enviam para mim. Eu achei que seria uma boa ideia construir uma plataforma para dar voz a todas as mulheres e na qual todos pudessem partipar, juntar-se e dar visibilidade a essa questão através do humor. Através deste site os usuários podem fazer upload de poses degradantes e também escolher uma versão e ridicularizá-la.

Por que o feminismo é uma tônica tão intensa em seu trabalho? Você já passou por alguma situação específica em que foi vítima do machismo?
Obviamente como uma mulher eu me questiono sobre qual o meu papel, porque e como posso fazer para mudar as coisas que eu não gosto. Todas as mulheres sofrem casos de sexismo constantemente em nosso contexto, no trabalho, nos meios de comunicação... atualmente essa é uma questão que afeta todos nós, homens e mulheres.

Como a arte pode ser usada para transformar a realidade?
A Arte tem o poder de comunicar e unir as pessoas. Muitas pessoas em conjunto geram um movimento e movimentos mudam o mundo. Eu gosto de ver a arte como um grande campo de ação para compartilhar, dar visibilidade e transformar. Eu acredito que a arte tem muitas possibilidades além de ser um objeto de mercado.

Para conferir todos os trabalhos dessa artista, confira  o seu site aqui.
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Édipo de Queiroz Santiago é publicitário e jornalista nascido e criado em Capanema, embora goste de pegar a estrada sempre que pode. Idealizou e administra a comunicação da loja Hypchic e mora atualmente em São Paulo. Arrisca-se em fotografia, tem saudades do doce Halden Boy da Tia Maria e queria estar em Belém todo ano em outubro pra ver o Círio de Nazaré.

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