"Não existe segredo na fotografia de pessoas, exceto a intimidade". Essa frase de William Allard, fotojornalista, esclarece bastante sobre o segredo tão procurado por aqueles que buscam revelar além da aparência insípida dos seus fotografados. Por isso, escolhi ela para abrir a segunda edição da coluna Conexão Hypchic que apresenta um recente trabalho do publicitário, roteirista, professor e fotógrafo Laercio Esteves.
Intenso, exigente, unconventional, rock and roll, sempre pronto a ajudar, extremamente sincero nas redes sociais e dono de associações inesperadas como a de fazer associações sexuais entre sua bisavó de 105 anos e uma atriz pornô. Formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade da Amazônia - Unama - com passagens como Diretor de Arte em agências de Porto Alegre, vencedor de prêmios na escola de criação da Espm Sul (Escola Superior de Propaganda e Marketing), atualmente, Laercio se dedica ao ensino das disciplinas Fotografia Publicitária e Fotografia Jornalística na Faculdade do Pará. Mas continua experimentando a prática fotográfica e sendo leitor frequente de sites e revistas de projetos que experimentam processos inovadores em fotografia.
E foi desse exercício de acompanhamento de novidades e um desejo de retratar personagens que surgiu o projeto EU-LUGAR em que ele usa a fotografia analógica (que usa rolo filme)e uma técnica de fotografia que "imprime" os dois lados do filme e produz uma imagem que é uma fusão de paisagens e retratos. Atores, dançarinos, advogados, mestre cervejeiro e alunos de publicidade foram alguns dos personagens dessa série que, nas palavras dele, "subverte a realidade e propõe que 'atores sociais' assumam novos papeis imagéticos: Uma dançarina que cuida da avó, uma advogada que ama a chuva, um ator extremamente urbano, uma estudante viciada na noite, dentre outros... se deixam levar nesta nova realidade experimentada e proposta nas múltiplas exposições". Dúvidas surgiram enquanto eu apreciava as imagens, que são lindas, e aproveitei para produzir essa entrevista para a coluna. Espero que vocês gostem.
Qual a razão do projeto se chamar EU-LUGAR?
A razão dele se chamar EU-LUGAR, versa muito sobre estes lugares de afeto e desafeto que nos moldam, mapeados nas entrevistas e ensaios com os modelos. Tem uma pitada de "eu-lírico" mais uma pitadinha de "encontre você também um motivo pra ele se chamar assim". Que a tua opinião sobre o significado desse nome também seja parte importante desta construção.
Todo projeto nasce de uma necessidade de expressão. Qual foi a sua ?
Este projeto nasce da minha vontade de abordar a produção de um Retrato (fotografia do ser humano posando) de uma maneira totalmente abstrata e experimental. De juntar o controle sobre a técnica e processo, com o quase que total descontrole do resultado. De buscar no acaso um aliado presente no processo criativo. É bem difícil expressar o que se busca na fotografia, principalmente quando ainda não se encontrou o que procura.
Há quanto tempo e como você conheceu essa técnica ?
Estou sempre experimentando processos inusitados e analógicos para a produção de imagens fotográficas. Sou assíduo leitor de sites e revistas que expõem projetos inusitados e novos. Adoro, e estou sempre procurando preencher as lacunas do que não encontro com a minha fotografia (ou parte dela). Pois tenho trabalhos bastante "normais" digamos assim. E como sempre, a junção de muitos acasos me põe de volta nos trilhos de algum projeto. Neste exato momento estou na incubadora, testando e testando uma nova "brincadeira" fotográfica que encontrei. Como ainda estou nos primeiros resultados, não tenho nome nem explicações para o que estou fazendo. Só posso dizer que mistura fotografia colorida e P&B de uma maneira que me chamou atenção. Em especial essa técnica do EU-LUGAR descobri há aproximadamente um ano juntando acasos experimentais.
Quem são as pessoas fotografadas? Como você conheceu elas?
As pessoas foram convidadas pelas suas habilidades corporais, pela sua aparência, por terem alguma característica pessoal física ou de caráter que eu pudesse subverter ou reforçar semanticamente de maneira visual. Vários e diversos motivos levaram às escolhas. Algumas conheci no estúdio, outras já conhecia antes.
Quais foram os primeiros cliques ? Das pessoas ou das paisagens? Você calculou que cada paisagem casaria com determinado retrato ou a ordem das fusões foram obra do acaso.
Quase sempre o das pessoas antes, pouquíssimos foram feitos ao inverso. Pois sempre uma característica do modelo inspirava a locação. Em apenas parte de um ou dois ensaios, inverti esta ordem. O acaso trabalhava sim a meu favor. Mas cada modelo ganhava um rolo inteiro, então apesar de eu não saber qual foto eu estava sobrepondo, eu sabia quem era o modelo dono daquele rolo. Assim eu tinha idéia das imagens que estavam "alí em baixo". É uma espécie de risco controlado, ou acaso controlado.
Qual a referência artística para essa série de retratos?
Não que eu tenha me inspirado diretamente no Mestre Miguel Rio Branco... Mas quando encontrei as cores quentes e as texturas sujas, os enquadramentos inusitados e a decomposição de certos materiais em harmonia com belas poses, não pude deixar de pensar na estética da obra dele.
No projeto vemos uma fusão do personagem na paisagem. Há alguma intencionalidade específica nessa ação, isto é, há um impulso estético racionalizado querendo propor algo?
É uma maneira de misturar belezas aparentemente distintas e segregadas...um rosto e uma poça de óleo, uma perna e um poste elétrico, um jambo na lama e um olho humano; aparentemente distantes uns dos outros, ganham papéis conjuntos nesta nova trama proposta no ensaio. E talvez tenha um pouco de mim, quando sinto que faço MAIS PARTE de alguns lugares do que de outros. E que determinados lugares físicos (mas nem sempre) são completamente responsáveis por quem sou. Quis ver isso em outros seres humanos.
Confira as outras fotos no projeto no Flickr de Laércio Esteves.
Édipo de Queiroz Santiago é publicitário e jornalista nascido e criado em Capanema, embora goste de pegar a estrada sempre que pode. Idealizou e administra a comunicação da loja Hypchic e mora em São Paulo. Arrisca-se em fotografia, tem saudades do doce Halden Boy da Tia Maria e queria estar em Belém todo ano em outubro pra ver o Círio de Nazaré.
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