terça-feira, 3 de junho de 2014

Conexão Hypchic #4 | Aíla e seu novo clipe Preciso ouvir música sem você


29 de abril. 2º dia de gravação. 8h. São Paulo. Avenida São João, número 108.  Terceiro andar. Segundo dia de gravação. Um elevador que intimida os mais medrosos leva mais de quinze paraenses que se dividem entre direção, figurino, fotografia, produção e direção de arte ao Estúdio Lâmina, um misto de residência, estúdio, espaço expositivo e escola de arte que ocupa um andar inteiro de um casarão no Centro de São Paulo. É o segundo dia de gravação do clipe da Cantora Aíla, uma proeminente artista do Pará que traz a musicalidade de ritmos tradicionais amazônicos mescladas a pitadas de influências pop em seu disco de estréia, do qual a música "Preciso ouvir música sem você" é a matéria-prima para revelar mais um traço da identidade dessa personagem cultural da Amazônia que tem um pé lá e outro no mundo. E esse desejo de estar no mundo trouxe ela para São Paulo, poucos dias antes da gravação desse clipe que tem sua produção descrita aqui na Coluna Conexão Hypchic por mim que fui testemunha e tive a participação de assistente de fotografia no clipe. 

23h50. Todas as mãos da equipe estão ocupadas. A produtora  e artista visual Roberta e o produtor de arte  Neto Guimarães dividem as mãos entre um o difusor de luz e balançar uma cordinha com papel que  cria uma sutil sombra que se move sobre a cantora. Eu estou sentado no chão atrás da Roberta segurando o difusor de luz na parte de baixo. Bia (Beatriz Morbach) deitada no chão segura uma arara de madeira, Izabella Brito, Renata, Ismara, Marco Antonio e Aline estão na sala distribuídos segurando objetos de cena do cenário que uma apresenta um Frida Khalo dos trópicos sendo clicada por Italo Brito que registrou o making off de mais de 30 horas de trabalho. O assistente de fotografia Felipe balança galhos na frente da iluminação criando uma sutil sombra sobre e atrás do cenário que recorda o lugar de onde saíram a maioria das pessoas que trabalharam no clipe. A diretora Carolina Matos grita ação e Gustavo capta os últimos momentos de gravação do clipe em que Aíla canta. Três ou quatro takes são gravados e o fim de dois dias de gravação chega ao fim. Como a chuva de Belém que surge abrupta e vigororosamente no início da tarde, uma emoção toma conta de todos inundados pela energia de quem sente quando algo é feito com entrega e dedicação. Enquanto alguns seguram as lágrimas outros não resistem como a diretora e a cantora do clipe da música colorida como a sonoridade do primeiro disco de Aíla e igualmente rico de referências que vão da performance de Hélio Oiticica, a arte digital em video-mapping criado pela artista Roberta Carvalho (proeminente pela sua performance Symbiosis), Marina Abramovic e cenas em que ela encarna a morte de Marat em um banheiro retrô. 


23h30. Aíla está radiante encarnando uma Frida Amazônica assinada pelo premiado maquiador Theo Carias fazendo todos esquecer que ela está de pé desde às 8h passando por inúmeros momentos de tensão, típicos de qualquer gravação de um clipe, curta ou longa-metragem. E este foi apenas o resumo do segundo dia. No primeiro, as gravações aconteceram em quatro lugares diferentes, passando por um banheiro de um apartamento na Liberdade, o elevador de um prédio no centro, um terraço próximo a avenida Paulista e a sacada do prédio do Estúdio Lâmina onde as luzes  do projetores atravessam a janela do corredor e chega à outra janela onde está Aíla vestindo um parangolé branco e imersa na Arte digital.

19h. "Temos até meia noite para gravar as três cenas", avisa a produtora executiva Roberta Carvalho. A equipe se divide. Acompanhada do diretor de fotografia Gustavo Godinho e de seus assistentes, Beatriz Morbach vai montar o quarto inundado por roupas que emoldura Aíla que segura uma reprodução  do famoso quadro  de Magritte "Leci n'est une pipe" de Magritte que esconde seu corpo nu. Uma hora após a montagem de luz e cenário e cerca de 10 minutos para captação de um curto trecho da música uma cena das três que restam é gravada. A tensão está presente em cada testa franzida. A equipe retorna a sala para tomar difíceis decisões como abandonar a cozinha retrô já montada e improvisá-la com poucos objetos e fechar o enquadramento da cena para que o cronograma possa ser cumprido. Uma luminária amarela da própria cantora ali deixada por acaso, acende na cabeça de Godinho a ideia de usá-la como luz de fundo e o acaso finaliza a iluminação da cena em que Aíla esbraveja os versos do refrão no  telefone vermelho. 

Após participar do clipe, converso com a cantora que está em contagem regressiva para lançar o segundo clipe e escreve novas músicas ao mesmo tempo que dirige artistas como Mestre Solano sob a 11:11 projetos, produtora criada por ela e Roberta Carvalho com o intuito de administrar suas próprias  carreiras e,  também  para realizar projetos coletivos, como o Festival LÁ DO PARÁ e Festival Amazônia Mapping entre outros.

Queria saber um pouco da sua infância. Em que ambiente você cresceu ? Quais eram suas brincadeiras favoritas ?  Seu cotidiano ? Que memória afetiva você traz desse período?
Eu cresci no Bairro na Terra Firme e Canudos, em Belém, um bairro da periferia da cidade. Minhas condições sempre foram muito apertadas, minha família sempre batalhou bastante pra ter as coisas, inclusive coisas básicas, como comida e estudo. Minha casa era metade madeira, metade barro, e sempre que chovia era uma luta contra as goteiras, risos. Mas isso sempre foi o de menos, porque eu sempre tive o mais importante: uma família linda e grandes amigos. Eu aprontei muito nesse bairro, me juntava com os amigos da Rua e aproveitávamos de tudo: muito banho de chuva, bola, pipa, queimada, acho que eu aprontei e aproveitei tudo que eu podia, até pular o muro do vizinho pra pegar fruta, risos. 
Não faz muito tempo que você gravou o clipe "Proposta indecente". O clipe, nesse novo cenário musical, volta a ser uma importante estratégia de divulgação? Por que ele voltou a ser uma importante ferramenta para fazer chegar às pessoas a música?
O Clipe, na minha opinião, nunca deixou de ser uma importante estratégia de divulgação. Quem não prefere ouvir uma música assistindo um vídeo junto? Eu pelo menos, sou viciada. O clipe chega em locais que somente a música não chegaria, abre uma plataforma a mais de audição e visibilidade para o trabalho dos artistas, através os canais de vídeos na internet e na TV por exemplo.

Percebo que você gosta de participar de tudo. Tu tens conseguido conciliar essa grande dominação do processo e, simultaneamente, não ser taxada de centralizadora (risos)?
Isso é bem difícil, mas eu não consigo ser diferente, gosto de "me meter" em tudo mesmo, afinal a música que eu canto ou o clipe que eu faço refletem a minha identidade, né? Acho super importante participar de todo o processo, toda as etapas, esse é o meu jeito de trabalhar. Mas não me considero centralizadora, me considero apenas cuidadosa, risos.

O seu novo clipe, assim como seu primeiro CD é uma mosaico de referências. Tu participaste da seleção das referências? Conte um pouco sobre o processo de criação do clipe.
Na verdade, o roteiro do clipe é todo composto pela Carolina Matos (diretora), baseado na conversa que tivemos sobre as minhas percepções da música em questão e do que eu gostaria de passar conceitualmente nesse clipe. Ela conseguiu captar as minhas referências visuais/pessoais (de figurino, de palco, de postura, de personalidade) e relacionou isso com várias vertentes da arte contemporânea: com a feminilidade intrigante e o calor latino de Frida Kahlo, a performance e exuberância dos parangolés de Helio Oiticica, a intensidade de Marina Abramovic, os tons coloridos e estilizados da Pop Art, o jogo interativo das estéticas tecnológicas da projeção de imagem, e a narrativa provocadora de René Magritte. 
Eu assisti os bastidores da gravação do clipe da Gaby Amarantos e senti que o clipe  Xirlei Xarque seria um divisor de águas na carreira dela. Senti a mesma sensação ao ver de perto a produção do  seu clipe. Concordas?
Eu sempre acho que um trabalho feito com muita dedicação e cuidado podem refletir centenas de coisas positivas pra um artista. Esse clipe teve muito isso, eu espero que ele traga lindas surpresas pra mim e pra todos da equipe. 
Tu disseste em uma entrevista que seu avô é uma grande referência musical para você. Quais eram os cantores e estilos que ele mais gostava e que formaram seu gosto musical?
Apesar de ser meio clichê, a música sempre fez parte da minha vida mesmo, de uma forma ou de outra, eu sempre estive rodeado de muita música, eu ouvi tudo que minha mãe ouvia (Odair José, Fagner, Roberto Carlos, Erasmo, Jovem Guarda...), além das referências de meu avô, que da distante Conceição do Araguaia (sul do Pará), já me influenciava com seu amor por Jobim, João Gilberto, Nara Leão, Gil... e seu jeito de tocar violão como ninguém. Sempre senti a música muito presente nas minhas escolhas, eu inventava eventos, cantava nos intervalos das aulas, fazia cursos de música, e sempre que podia estava ligada nas programações culturais da cidade.
Como aconteceu a transição do mundo do curso de Secretariado executivo para o mundo da música ?
Em 2008, em meio a Universidade, eu decidi começar a cantar profissionalmente. E a partir daí não parei mais... (risos) Tomar essa decisão em Belém do Pará não é fácil, pelo contrário, é extremamente difícil, não se tem perspectiva nem mercado para a área cultural em Belém (capital) e muito menos nos interiores. Mas eu amava isso, (amo, né?) então segui meu coração e fui com tudo! De 2008 pra cá, já se passaram 6 anos, e muitas coisas mudaram, e têm mudado, eu hoje posso dizer que a música me deu tudo que eu tenho, e ainda quero muito mais, mais alegrias, mais amigos, mais tranquilidade e mais encontros inesquecíveis. Eu sou muito feliz com o que faço, e não tem preço poder levar a identidade cultural do Pará junto comigo, no meu som, nas minhas referências, e poder mostrar que existe muita coisa legal que o Brasil ainda precisa conhecer.  


Você toca  a 11:11 projetos que administra a sua carreira e de outros artistas paraenses. Devido a reformulação da indústria da música, agora é fundamental que o cantor esteja nos bastidores e no palco ?
 Pois é, na verdade criamos a "11:11 Arte, Cultura e Projetos", eu e Roberta, artista visual paraense e minha sócia na produtora, com o intuito de administrar nossas próprias carreiras e também realizar projetos coletivos, como o Festival LÁ DO PARÁ, Festival Amazônia Mapping, Festival VIVA BREVES, entre outros. Nós gostamos de idealizar coisas novas e profissionalizar o público que participa desses eventos, nossos festivais sempre têm muitas oficinas, paralelamente aos espetáculos. E nossa intenção com a 11:11 é essa mesmo: pensar, inventar e realizar nossos sonhos, meu e da Roberta.
Na produtora, nós não agenciamos carreiras de outros artistas, fizemos esse Projeto específico para o Mestre Solano (novo CD dele + turnê, via Natura Musical), pois eu já tinha uma grande admiração pelo trabalho do Solano, e queríamos muito ajudá-lo nesse momento da carreira dele. Foi muito recompensador, uma experiência única.

Como estão os preparativos para o próximo disco? Podes adiantar alguma coisa? 
Sobre o próximo disco, ainda não tenho muita coisa pra adiantar, somente posso dizer que começo a pensar nele e entrar em estúdio para experimentar coisas, a partir de agosto ;) Quero lançar final do ano. 

Por Édipo de Queiroz Santiago

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